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Desestatização da CODESA: leading case para os portos brasileiros

Por Alexandre Aroeira Salles e

Jefferson Lourenço dos Santos

Como todos sabemos, os portos brasileiros não são sinônimos de sucesso, muito ao menos de eficiência. Há décadas que se clamam por mudanças no setor. O começo disso pode ter sido inaugurado na última sexta-feira, com a publicação do Edital para desestatização da Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa), empresa pública responsável pela administração dos portos organizados de Vitória e Barra do Riacho.

Em resumo, o certame busca transferir para iniciativa privada a função de autoridade portuária. O objetivo é que tal concessão seja feita pela venda da totalidade das ações da Codesa que são de titularidade de União e que gere a otimização e novos investimentos nos aludidos portos.

Trata-se de projeto pioneiro no direito brasileiro, pois, até então, nenhum porto organizado foi concedido, de forma que os portos de Vitória e Barra do Riacho serão os primeiros portos brasileiros a adotarem o modelo regulatório de private landlord port, isso é, modelo internacionalmente testado em que tanto a autoridade portuária quanto os operadores portuários são privados.

O aludido Edital já está em discussão desde 2020, quando foi lançada a primeira Audiência Pública do projeto (Audiência 19/2020), junto à Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ).

Importante notar que, na aludida Audiência Pública, que contou com ampla participação de diversos setores, foram levantadas duas grandes preocupações com o projeto. A primeira tratou da ausência de regras claras sobre como os contratos de arrendamento vigentes seriam transferidos ao regime de direito privado, gerando dúvidas sob o âmbito de poder da nova Concessionária para cancelar contratos em andamento. A segunda se referiu às limitações de participação no certame para as atuais arrendatárias dos portos de Vitória e Barra Riacho.

Na visão daqueles que discutiram tais pontos na Audiência Pública, além do tema da segurança jurídica (primeira dúvida acima), caso uma das atuais arrendatárias de portos vizinhos ganhasse o certame, haveria risco de grande concentração do poder de mercado, acarretando, potencialmente, eventuais conflitos de interesse com os objetivos de desenvolvimento dos portos capixabas, uma vez que a vencedora poderia fazer prevalecer a atuação de sua outra área portuária.

A partir da publicação do Edital, se verificou que o instrumento convocatório foi exitoso em esclarecer que a transferência para o regime privado dos contratos de arrendamento vigentes será feita a partir da consensualidade e bilateralidade entre a futura Concessionária e as arrendatárias, deixando claro que a rescisão do contrato se dará unicamente a critério da arrendatária. Esclareceu-se também que, caso não venha a ocorrer acordo entre concessionárias e arrendatárias, se manterão as disposições dos contratos então vigentes, com exceção das cláusulas contratuais extravagantes típicas do regime público.

Conclui-se, portanto, que, com relação à primeira principal preocupação do setor manifestado nas audiências públicas, o Poder Concedente conferiu a segurança jurídica necessária às arrendatárias, que terão, no mínimo, seus contratos mantidos nas condições incialmente contratadas.

Já em relação à segunda preocupação, não obstante as diversas críticas ocorridas na audiência pública, manteve-se a vedação das arrendatárias dos portos de Vitória e Barra do Riacho participarem do certame, sem, no entanto, vedar a participação de arrendatárias de outros portos. Logo, como se verifica, o Poder Concedente não se ateve à preocupação exprimida pelo setor, não mitigando o relevante risco de abuso de poder econômico apontado.

Como se observa, além da polêmica utilização do modelo regulatório de private landlord port (cuja utilização já gerou encarecimento da operação portuária em experiências internacionais, como no caso do Porto de Melbourne, na Austrália)o Edital do projeto de desestatização da Codesa foi lançado com fragilidades nos critérios de participação no certame, o que também pode gerar a concentração do poder econômico e conflitos de interesse na gestão dos portos capixabas, situação essa que deve ser objeto de atenção das autoridades públicas envolvidas no projeto.

Todo modelo de desestatização pressupõe que o Governo fortaleça institucionalmente as respectivas agências reguladoras, para que protejam o interesse público contra abusos eventualmente praticados pelos agentes privados de mercado. No caso dos portos, será essencial que a ANTAQ (Agência Nacional de Transporte Aquaviário) seja cada vez mais aprimorada em sua governança e capacidade de bem regular e fiscalizar. Se assim for feito, há boas chances de grande sucesso o movimento da desestatização aqui tratada.

*Alexandre Aroeira Salles é doutor em Direito e sócio fundador da banca Aroeira Salles.

Jefferson Lourenço dos Santos é advogado da banca e especialista em contratos públicos.

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