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Educação para a cidadania e a “literacia do outro”

Mônica Andrade Weinstein


O acesso à educação de qualidade é considerado um elemento fundamental para o desenvolvimento das competências que viabilizam o pensamento crítico que, por sua vez, é particularmente necessário para que os jovens possam se engajar em diálogo e deliberação para a construção de suas narrativas como cidadãos.


Uma série de habilidades cognitivas, promovidas por práticas educacionais eficientes, contribuem para o desenvolvimento do pensamento crítico, entre elas: coletar e absorver informações, analisá-las com senso crítico e validá-las . E a partir disso, fazer escolhas, definir um posicionamento, argumentar, defender seu ponto de vista, interpretar o argumento dos outros, refletir sobre suas ações e desenvolver a imaginação cívica e criativa.


Entretanto, embora seja consenso que o acesso à educação de qualidade é fundamental para a promoção da cidadania, a educação formal não é suficiente para garantir a melhoria do bem-estar coletivo, uma vez que ela pode reproduzir as desigualdades refletidas na sociedade.


Esse ciclo é evidente, por exemplo, nas pesquisas recentes dentro e fora do Brasil; Dados publicados em 2020 pela OCDE, Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, por meio do artigo The Economic Impacts of Coronavirus Covid-19 Learning Losses, mostram que a pandemia resultou em um retrocesso significativamente maior da aprendizagem para aqueles estudantes que já estavam em desvantagem social. Nesse contexto, delegar exclusivamente à escola a criação de condições para o exercício da cidadania oferece seus riscos.


O primeiro risco é a ideia de que a cidadania é resultado exclusivo do processo de escolarização. Essa ideia é problemática porque parte do princípio de que a cidadania é um status que só é alcançado após um indivíduo ter percorrido, com sucesso, uma trajetória educacional completa. Assim, vê-se a cidadania muito mais como uma “experiência adulta” com os jovens na posição de ainda não cidadãos, como indivíduos pertencentes a uma “etapa de transição entre a “infância” e a “idade adulta”.


Essa ideia de cidadania deixa de considerar que os jovens já participam da vida social e que suas vidas já estão, desde sempre, implicadas na ordem social, econômica, cultural e política mais ampla. O segundo risco refere-se à questão da aprendizagem; precisamos levar em consideração que nem sempre aquilo que é ensinado nas escolas é o que será aprendido pelos jovens. Para haver aprendizagem, os estudantes precisam atribuir sentido ao que está acontecendo no ambiente escolar, tanto no nível do currículo como no nível do senso de pertencimento e das possibilidades de participação.


Para cultivar a capacidade da cidadania democrática é necessário que os jovens desenvolvam a habilidade de se enxergar não apenas como membros de uma localidade ou de um grupo, mas também e acima de tudo, como seres humanos conectados a todos os outros por laços de reconhecimento e consideração.


Cidadãos não podem pensar bem se baseados apenas em conhecimento factual. Eles precisam de imaginação narrativa, que é a habilidade de pensar o que seria estar na pele de uma outra pessoa, diferente de si. É preciso desenvolver o que poderíamos chamar de uma “literacia do outro”, ou seja, aprender a ser um leitor inteligente da história das outras pessoas, entender suas emoções, esperanças e desejos.


Mônica C. Andrade Weinstein é Cofundadora e Vice-presidente de Pesquisa, Desenvolvimento e Impacto no Alicerce Educação

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